terça-feira, 27 de janeiro de 2009

NAS MINHAS ANDANÇAS...


Nessas minhas andanças pela minha memória deparo-me sempre com algumas lembranças de bons momentos na minha infância. Na realidade, geralmente é na infância que estão os melhores momentos da vida de todo mundo. Isso porque é uma fase em que a palavra preocupação não existia em nosso vocabulário e a nossa maior ansiedade é de qual brincadeira participaremos no outro dia. Ou a mesma brincadeira de sempre repetida um milhão de vezes e ninguém a dizer que está enjoado ou chateado. A imaginação efervescente de imagens quase que de manifestações esquizofrênicas por parecer tão reais as situações criadas ou os personagens vividos. Quem de nós não olha para esses momentos e suspira profundamente. Quando a gente vai crescendo e chega à fase da adolescência tudo nos parece perder o sentido e vivemos a partir daí buscando sentido pra tudo na vida. Talvez viver sem sentido seja de fato a melhor coisa, pois essa torturante epopéia nos desgasta de tal forma que é inevitável o estresse por ter de lidar ora com o real nu e cru, ora com nossos anseios e sonhos provenientes da infância e que ainda não nos desgarramos ainda. Há quem diga que esses sonhos são manifestações benéficas, haja vista que é um contraponto para não nos endurecermos tanto com a realidade. Todavia, volta e meia, estamos indo lá no fundo do baú de nossa memória para resgatar essa chama pueril e nos despir da capa da responsabilidade e da conduta devida de um adulto estressado. Somos pisoteados com a imposição do sistema pela competitividade, pelo consumo, pelo enriquecimento como forma de status social, etc. Todos esses dilemas começam então a incorporar meio que como uma infestação virótica sem possibilidade de soro ou vacina. Nisso deixamos de lado a pureza de sermos complacentes com a diferença, tolerantes com os erros alheios e com o coração aberto para perdoar sem terem que nos pedir perdão. Talvez devêssemos todos retornar à fase de quando éramos crianças. E me pergunto a cada dia como o ser humano pode dizer que cresce ao envelhecer, sendo que o envelhecimento pode, na maioria das vezes significar a destruição do que há de mais belo nos homens, a capacidade de ser humano. Ah meus velhos tempos de “mãe-de-lua”, “macaco”, “polícia-e-ladrão” e tantas outras maneiras de se viver na sociedade infantil.

sábado, 24 de janeiro de 2009

NO REINO DA CIDADE DAS POMBAS


Era uma vez um reino muito distante. Este reino era governado por um rei muito bondoso. Em seu aniversário costumava matar dois bois e um porco para dar a toda a população de seu reino estimado em quase quarenta mil pessoas. O mais curioso é que o dinheiro em que o rei usou para comprar os bois e o porco vinha dos impostos que a própria população pagava. De vez em quando o viam pagando uma cerveja para algum plebeu e dessa forma todos o achavam carismático, simpático e popular. Aqueles que eram empregados no reino recebiam salários baixos e eram constantemente humilhados em filas gigantescas para receber o seu dinheiro, isso quando recebiam. Ainda assim era um rei muito bondoso, segundo alguns. Nenhum dos seus súditos tinha coragem de encará-lo e dizer o que pensavam pois tinham o medo de perder o emprego. Mas ele era muito querido! Um dia acusaram-no de ter roubado muito dinheiro da população e seu nome apareceu em muitos panfletos e revistas. Ele acabou sendo afastado do poder e não foi preso apesar de ter sido comprovado muitos dos seus roubos. Mas a população estava saudosa do seu antigo rei, pois o que entrou depois dele, era um antigo companheiro e que todos percebiam que acabava fazendo a mesma coisa do outro. Novamente eles não podiam reclamar com medo de perderem o seu emprego. Logo depois a população mudou de rei novamente. Este último rei a população não estava gostando pois não matava bois em seu aniversário, nem contratava shows de artistas caros e famosos, mas trabalhava fazendo o seu dever de casa com a sua obrigação de rei. Apesar de todos agora poderem reclamar de seus direitos e não ter que enfrentar filas para receber o seu salário a população agora reclama com saudade do seu antigo rei ladrão. É triste perceber que em meio à democracia e a liberdade alcançada com tanto sacrifício e até sangue derramado, o povo deixa de lado o seu direito de ser livre por um pedaço de carne ou um copo de cerveja.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Sendo invadido...

Violar a correspondência é um crime previsto em alguma lei de alguns desses códigos que os deputados aprovam, mas que ninguém tem conhecimento e nem quer ter. A não ser quando está diante de uma situação onde o indivíduo precisa conhecer pra se defender ou atacar. Isso é muito comum nos seres humanos ocidentais. Mas estou querendo falar a respeito de como os indivíduos passaram a se expor mais com o advento da internet, sobretudo, dos sites de relacionamento ou na comunicação via MSN Messenger. Sem contar na constante invasão ilícita por vírus e outros softwares para fuçar tudo que se coloca ou que já existe no computador, além das "invasões" permitidas nos sites de relacionamentos por aí. É possível conhecer os contornos dos corpos, mesmo que com Photoshop (E nem sempre ele faz milagres!), o nível de instrução, haja visto o grande número de erros ortográficos impressos nos subnicks ou nos comentários de fotos, scraps , depoimentos, etc. Parece que a Gramática Normativa deixou de existir com a possibilidade das abreviações na comunicação virtual. Voltando à questão da privacidade, por conta da impessoalidade do computador, me parece claro o aumento da coragem em expor-se para as pessoas estranhas. Talvez por não se ter a noção exata de quem poderia ter acesso ao conteúdo postado num blog ou Orkut, etc. Sem contar na falta de noção do ridículo o que acaba fazendo muito sucesso no site das “Pérolas do Orkut”. Passaria horas e horas dando risadas com as fotos engraçadas de situações tão inusitadas que beiram o extremo do ridículo. Contudo nem se sabe a real intenção do indivíduo ao estar posando para o mundo em situações não muito convencionais. Dei-me por conta que possuo um perfil no Orkut e com mais de trezentas fotografias. Um sentimento de pavor me assolou ao ponto de sentir-me por demais invadido por pessoas que não conheço e que podem estar fazendo tantos e quantos juízos a respeito de minhas fotos e talvez algumas já poderiam estar no famigerado site gozador. Não relutei ao apagar todas, deixando exclusivamente uma homenagem aos meus pais. Não sei necessariamente qual a minha intenção em fazer isso, contudo fiz. Todavia esse pode ser um estado momentâneo de crise. Mas, enquanto isso, vou dar uma espiadinha nas “Pérolas” pra ver se consigo dormir mais relaxado, depois de dar boas gargalhadas.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Dona Rosa

Quando a gente é criança o mundo parece ter outro sentido. Costumava sentir mais o sabor das coisas. Gostava muito de comer bem devagar algum tipo de chocolate e me parecia que o mundo poderia acabar naquele momento, contudo não deixaria de estar sentindo o prazer do delicioso doce derretendo em minha boca. E as férias? Tinha um sentido tão forte. Lembro-me bem de como as frutas apareciam no verão. Particularmente torcia para que chegasse o verão e eu pudesse estar saboreando a sirigüela, o umbu-cajá, a cajarana, manga, etc.
Eu morava em uma rua numa cidade do interior da Bahia. À frente da minha casa moravam duas senhoras: Dona Rosa e Dona Antônia. Ambas já com idade avançada. Dona Rosa era extremamente simpática, já Dona Antônia, um pouco sisuda, contudo, agradável. Constantemente no verão, íamos na casa delas para solicitar que nos fornecessem o privilégio de desfrutar das sirigüelas que existiam no seu quintal. Dona Rosa aparecia na porta e com sua voz meiga nos mandava entrar. Lembro-me bem dela. Magrinha, olhos azuis, baixa e com as costas encurvadas. Sua irmã era mais cheia e aparentemente mais forte. Todas essas lembranças me vêm à mente acompanhadas de um fato bastante importante pra mim. Certo dia entrei na casa das senhoras e percebi uma aglomeração de pessoas. Fui a porta do quarto e percebi que haviam velas acesas e a doce senhora na cama. Ela estava quase imóvel. Só percebíamos o seu peito estufar e abaixar dando a noção de que estava ainda respirando. Vi quando uma senhora chegou com uma xícara de café e uma colher. Começava então a colocar o café na boca de Dona Rosa. Uma cena lastimável. Fiquei a tarde toda à beira da porta como se esperasse algo. Ouvia a todos conversarem e percebi que uma das senhoras falava a respeito de que não tinha mais jeito e que só esperavam a velha morrer. Eu observava Dona Rosa ainda respirando e torcendo para que ela pudesse surpreender a todos e levantasse da cama. Quem poderia agora me dar as sirigüelas? Aos poucos foi-se percebendo que a respiração dela ficava mais e mais lenta, até que cessou. Uma senhora veio e cobriu o rosto dela. Saí da casa sem perceber a profundidade do que tinha acontecido, contudo essa imagem não saiu da minha cabeça. Hoje percebo que aquele momento significou muito. Toda história vivida por uma pessoa se esvaindo até não existir quem pudesse de fato ouvir aquela doce voz e ver aqueles olhos azuis de ternura. Foi a primeira vez e talvez a única que vi a morte de perto. Ao mesmo tempo em que ela me pareceu ser muito natural. Entretanto, ver posteriormente a Dona Rosa em um caixão foi mais triste. Acompanhei o enterro e quando a terra foi jogada em cima do caixão, aquele barulho parecia ensurdecedor para mim. Via algumas pessoas pegando a terra com a mão e atirando. Me pareceu que queriam de fato se ver livre da senhora. Com o passar dos anos, Dona Antônia é encaminhada para um asilo e a velha casa é derrubada. Não havia mais sirigüelas, muito menos Dona Rosa. Havia a certeza de que um dia tudo pode acabar nesse mundo, tanto as sirigüelas, quanto as pessoas. Daí a incoerência de sonharmos sempre com a acumulação das riquezas se não duramos pra sempre. Pra sempre será, contudo, a imagem da bondade e da satisfação de fazer a alegria de uma criança com tão pouca coisa.

Daniel Cézar.

Produção de Café

Produção de Café
Daniel Cézar